terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A inimizade do executivo com o intelectual


         Esse artigo pretende brevemente refletir sobre a conciliação de duas facetas tão distintas mas imprescindíveis a homens e mulheres de negócios (ou pelo menos àqueles que se pretendem inovadores e prósperos): as facetas do executivo e do intelectual.

     Marilena Chaui, quando perguntada no programa de entrevistas Roda Viva em 1989 sobre se era possível conciliar a executiva com a intelectual, respondeu brevemente: “Não, não é possível”. O caso de Marilena é emblemático. Intelectual conhecida, filósofa, escritora e professora da USP, Marilena tem extensa e importante obra literária publicada, (além de inúmeras contribuições em simpósios, conferências e palestras em ambiente acadêmico, especulando sobre filosofia e militância política), o que naturalmente exigiu-lhe dedicação para a ampla pesquisa e o mero ato de se sentar para escrever. Ocorre que em 1988, a então prefeita eleita de São Paulo Luíza Erundina a convidou para assumir a Secretaria de Cultura. Marilena aceitou, e tornou-se portanto, pelo menos naquele momento, uma executiva. É dever do executivo, sabemos, nomear e gerenciar equipes, idealizar e planejar o futuro, delegar missões (ou simplesmente tarefas), gerenciar os acontecimentos (ou os não-acontecimentos) ao longo do tempo por parte de sua equipe, corrigir as rotas que eventualmente estejam equivocadas, cobrar, incentivar, reconhecer e motivar sua equipe, fazer acontecer o que se planejou. Em suma, uma rotina e um modelo mental radicalmente diferentes da rotina do intelectual. O intelectual, por sua vez, dedica-se ao “ócio”, isto é, à reflexão. Lembremos que “negócio” vem de “negação do ócio”: quando fazemos “negócio”, negamos a nossa condição momentânea de intelectuais e somos executivos. Quando nos dedicamos ao “ócio” (momentos de serenidade para a reflexão, que em nada tem a ver com a ideia de descanso descomprometido), a figura do intelectual se sobrepõe à outra. Basicamente conclui-se que de fato não há como conciliá-las.

            Pois: uma carreira bem sucedida exige de nós o muito. Que sejamos reflexivos para sermos criativos e inovadores – que tenhamos ideias e conceitos próprios no que se refere à nossa condição de formuladores do pensamento: que sejamos intelectuais. E exige-nos também a capacidade executiva, isto é, o poder de realização, a capacidade de planejar e a disciplina e a competência para fazer acontecer. Está dado o desafio: conciliar essas duas facetas.

            A conclusão à qual cheguei, meramente pessoal, mas que aqui divido com aqueles que possam vir a se interessar: para manter em alto nível as duas vertentes, nada como a disciplina da agenda. Uma vez na semana, (normalmente às sextas-feiras, mas nem sempre), quando em São Paulo, a “agenda de trabalho”, de manhã à noite, é a dedicação plena ao estudo, à pesquisa, à leitura de largo fôlego. Para isso, é preciso “renunciar ao escritório”, isto é, delegar o que se pode delegar e assumir a ausência sem culpa. Desta maneira, as leituras avançam, a pilha de livros “a examinar” diminui e se renova, as novas ideias ocorrem e o vigor para a volta à lida executiva se apresenta especialmente. Muito negócio e pouca leitura não faz bem para o negócio. A leitura dedicada (não necessariamente apenas em temas ligados diretamente ao negócio, mas especialmente àqueles que aparentemente em nada têm a ver), como parte da agenda, por sua vez, além da alegria de viver profunda que proporciona, faz e muito bem para os tais negócios.



* Eduardo Peres é mágico, humorista e palestrante para treinamento motivacional. Foi Campeão Mundial de Mágica em 2000. www.eduardoperes.com.br.